Escolhi Langkawi


Atravesso os mares de Melaca para deixar a ilha de Penang.

Escolho o barco para me levar nesta viagem de quase quatro horas.
Este é o meio de transporte local. A forma ideal de contactar com diferentes etnias dos vários cantos asiáticos. Viajo em conjunto e partilho a janela para a paisagem longínqua, para lá das ondas furiosas.

Sinto os cheiros dos corpos tão únicos: uns despidos, outros completamente cobertos; uns mais escuros, outros amarelos.

Como em qualquer transporte público de longa duração, não escapamos ao filme como bónus da tarifa. Mais do que segurança ou comunidade, é indispensável um bom vídeo dobrado em chinês, com legendas em malaio e tailandês.

Converso com uma jovem muçulmana que vai visitar a tia. Explica-me que tem de estar acompanhada pelo irmão porque ainda não é casada. Somos interrompidas por gritos e disparos que nos obrigam a desviar o olhar para o ecrã. A conversa fica animada e a viagem também. A água bate fortemente contra os vidros do barco e ele balanceia como se fosse transportado pelas mãos de uma criança.

Chegamos a Langkawi.
Sei que talvez nunca nos iremos cruzar, mas foi uma conversa tão serena e sincera. Apetecia-nos continuar, concordámos. A mim inquietou-me as injustiças que ela tem vivido. Ela viajou até à Europa por uns minutos e partilhou os sonhos de ser pintora, sob o olhar atento do irmão. Ainda bem que ele não percebe inglês, ríamos. Mas acho que ele, no fundo, sentiu a irmã voar, naquele barco pesado e escuro.

Despedimo-nos como se fossemos as melhores amigas. 

Já com os pés na terra seca e clara, alugamos uma mota e um capacete. Esta novidade foi recebida sem entusiasmo. Aqui na Ásia sempre pude abrir os braços e sentir os cabelos passear com o vento, lembrando-me de uma liberdade tão natural, com sabor às gotas de sal que fogem do mar.

Será que algum dia a Hajar se sentirá livre? É muito difícil a um ocidental perceber a cultura islâmica. O sorriso tranquilo perante a minha pergunta "às vezes não te apetece fazer as tuas próprias escolhas?" arrepiou-me. Ela vive bem com isso. Ou tenta viver. Eu não. Eu não consigo entender como ainda existem estas realidades que não permitem à mulher viver a sua vida.

A minha mente começa a alimentar-se de sons. São macacos que disputam frutos secos, na berma, ignorando a nossa presença.

O contraste não podia ser maior.
Troco uma pacata cidade por um santuário de corsários e piratas.
Troco os passos lentos por uma motorizada rápida.
Troco o cheiro da arte pela brisa do mar.

Langkawi é um arquipélago com 99 ilhas que tem a Tailândia como vizinha. Começo a sentir o sol a alegrar a minha pele e a lembrar-me da tropicalidade deste local.

Desdobramos a estrada por entre florestas equatoriais, fazendas de crocodilos e templos majestosos.

Vejo águias. Muitas águias a bater as suas oponentes asas, com toda a força. Este é o retiro perfeito para os peritos destas aves. Langkawi, um nome tão poético, nasceu do cruzamento da palavra malaia águia (helang) com a palavra em sânscrito mármore (kawi).

Acompanhamos uma família local durante o almoço. Uma tenda improvisada, as mãos eram os talheres e o frango o cardápio. Os olhares indiscretos acompanhavam sorrisos descarados. Eu compreendo: a nossa especialidade não era comer usando a ponta dos dedos e não usávamos as melhores técnicas.

Seguimos viagem até Telagah Tujuh. Uma queda de água, no noroeste da ilha, que é reconhecida em inúmeras lendas sobre fadas que vinham aqui brincar e tomar banho.

Depois de passar as montanhas de calcário, descobrimos com mais um paraíso. Um verdadeiro paraíso de águas cristalinas com areia fina e branca. Os barcos coloridos espalham mais magia na praia que se completa com os coqueiros.

Encontro-me num retiro tropical.
Fico feliz por não estar sozinha nesta cidade em simbiose com a água. Sinto que há algo entre as cidades e a água muito semelhante ao amor. É uma espécie de encantamento que se amacia com os fins de tarde a ver o pôr-do-sol e os banhos demorados no mar quente e tranquilo.

Fico ainda mais feliz por ter o privilégio de escolher. Escolher Langkawi, escolher esta viagem, escolher a minha vida.

0 comentários: