O comboio eterno para Bangkok


Entro num comboio apinhado. É o número nove, ouço lá ao fundo. Não há placards a indicar o percurso, muito menos horários estipulados em tabelas.

Subo umas estreitas escadas que me levam para a terceira classe. Bancos velhos sustentam pessoas de semblante carregado. São permitidos bebés ao colo e animais a bordo. Ouço uma galinha, cheiro um cão e sinto mais um mosquito picar-me na perna.

Vou caminhando pelo corredor a entro no restaurante. Ou melhor no bar. Não se vende comida, só cerveja. A música convida a um pezinho de dança e as luzes amenizam o ambiente.
Conversamos com um animado casal australiano que também se dirigia para Bangkok porque a noite é de arromba, explicavam, por entre um e outro gole de Cheers.

A próxima carruagem estava distanciada mais de um metro.
Enquanto atravessávamos, por dois estrados de metal cruzados, conseguíamos espreitar o mundo lá fora. São casas feitas em pau e chapa. São sofás virados para a linha de comboio. São mais galinhas, presas numa rede de plástico.

Chegamos, estamos na classe número dois.
Assentos almofadados, turistas e ventoinhas. Menos divertido do que na terceira classe, mas mais barulho: diferentes músicas se misturavam com diferentes línguas.

No fundo lá estava a primeira classe. Tinha pequenos quartos e mini casas de banho. As pessoas ali estavam protegidas com dois seguranças que impediam a passagem dos mais curiosos.

Enquanto parávamos para recolher mais passageiros, várias pessoas entravam no comboio, ainda em andamento, com cestos na mão. Usavam aqueles minutos para vender bebidas frescas e comidas com cheiro a picante. Os trocos eram recebidos rapidamente e os vendedores saíam antes do comboio ganhar velocidade.

Como por magia, um senhor juntou dois lugares num só. Em cima, abriu uma espécie de gaveta que se transformou numa cama.

Já quase toda a gente correu as cortinas azuis e ouvia-se algures um ressonar intenso.
O corredor começa a esvaziar-se.

Antes de dormir fui à casa de banho. Passo pelo senhor que amavelmente nos fez as camas. Estava a dormir por entre um monte de lençóis. Reconheci-o pelo chapéu.

Abro a parto e eis a minha surpresa: não há sanitas nem papel higiénico. Mas é arejada, o chão tem um buraco bem redondo que nos permite ver as estradas lamacentas por onde passamos.

Fiquei com a cama de baixo, uma almofada alta e um cobertor quentinho. Avista-se uma boa noite de sono, pensei. Sem distrações. Aqui não há televisão, tomadas para o computador nem internet.

À noite o sono era interrompido pelos solavancos do comboio, que me fazem arrepiar de medo.
Tentei ler para me distrair. Mas comboio despertava o vento. E este despertava-me a mim.
Tentei ouvir música. Mas parecia que estava numa montanha russa, sem cinto.

Quando o maquinista começou a abrandar o ritmo, finalmente adormeci. Pouco tempo depois fui acordada com uma palmadinha no rabo. Por quem? Pelo mesmo senhor mágico que dormiu de chapéu. Pelos vistos, era assim que ele acordava as meninas.

E, onze horas depois, finalmente chegamos.

Neste comboio eterno vivi uma das mais assustadores e ao mesmo tempo surpreendentes experiências da minha vida.

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